Eu escolho minha morte

Assim transcorreram os últimos dias de uma doente terminal que decidiu deixar de viver e pediu ajuda

Josiane Chevrier sofria de um câncer terminal que havia transformado sua vida em um pesadelo sem escapatória. Na Suíça, onde vivia, é legal ajudar uma pessoa que queira se suicidar. Existem inclusive associações que se encarregam disso. O jornal El País, da Espanha, esteve com essa mulher e com os voluntários da Exit que puseram ao alcance de sua mão um veneno misturado com suco de laranja.

O encontro foi às 8 da manhã de um sábado gelado, há oito dias. Depois de um longo trajeto em uma estrada de montanha, os voluntários da associação e o repórter chegaram pontualmente à modesta casa de Josiane Chevrier, de 68 anos, onde os esperavam uma de suas três filhas, Anne, 42, e sua neta Julie, 20. Suas duas outras filhas haviam se despedido com um jantar na noite anterior. Não tiveram forças suficientes para assistir a um acontecimento difícil, controvertido, arrasador, que beira sinuosamente a estreita linha entre a legalidade e a ilegalidade, entre a ética e a realidade: o suicídio de sua própria mãe.

A paciente, tranqüila, parecia ansiosa para começar o procedimento de eutanásia, que aqui chamam de "auto-entrega".

É assim: dois acompanhantes, voluntários de uma associação cujo objetivo é ajudar os suicidas, perguntam ao paciente se está realmente decidido. Josiane estava. O resto é simples. Deram-lhe duas pílulas que têm como missão abrir a digestão e impedir os vômitos. Depois lhe dão 20 minutos para refletir e despedir-se de parentes e amigos.

Simples? Josiane empregou esses 20 minutos para falar com sua filha e sua neta em particular. Também para ler para si mesma uma oração que havia escrito dias antes. Depois pediu para sua filha não chorar. Em uma mesa havia um copo com uma dose letal de pentobarbital misturado com suco de laranja. Com um incrível senso de humor, Josiane comentou que pela cor a "poção mágica" parecia um copo do aperitivo Cynar.

O pentobarbital, utilizado como poderoso anestésico, é mortal a partir de 5 gramas. No copo que Josiane tomou havia mais de 10. A paciente o ingeriu. Cinco minutos depois começou a bocejar e recostou-se na cama. Eram dez e meia passadas.

Depois da morte, todos os assistentes se reuniram na sala da casa para conversar e tomar um chá. A tranqüilidade e naturalidade da cena pareciam irreais e quase difíceis de imaginar em outros contextos culturais.

Quando tudo terminou, Julie, a neta, comentou: "Durante semanas me perguntei quais seriam nossas últimas palavras. O incrível foi que não dissemos nada especial. Foi uma conversa normal, como as de todos os dias". Pouco depois Julie saiu para a tempestade de neve que se havia formado lá fora para fumar um cigarro e, muito provavelmente, liberar as lágrimas retidas na presença de sua avó.


Fonte: El País, Espanha