Barril Entrevista...

"Tomo Prozac porque sou muito descontrolado"

Ele já pesou 200kg, foi punk e quase morreu de overdose. Vocalista do Ratos de Porão e apresentador dos mais polêmicos e provocadores, João Gordo mudou o rumo da vida: está tranqüilinho e virou, quem diria, o maior pai babão

João Gordo está bem mais magro e bem melhor. Nos últimos cinco anos, ele se casou com a jornalista argentina Viviana Torrico, teve dois filhos, Victoria e Pietro, e mudou totalmente de vida. Aprendeu a dirigir, começou a malhar e perdeu quase 80kg depois de uma cirurgia de redução do estômago. Hoje, aos 42 anos, ostenta 127kg, mantidos graças a uma dieta à base de soja.

Vendo ele assim, deitadão e relaxado fazendo massagem indiana, enquanto os filhos brincam por perto, dá até para imaginar que o vocalista da banda de hardcore Ratos de Porão virou zen. E é quase isso. Mesmo tomando Prozac para controlar a ansiedade (“sabe como é, foram muitos anos usando drogas”), ele continua o mesmo desbocado de sempre. Na MTV, onde trabalha há dez anos, apresenta o Gordo Freak Show, programa de calouros mais violento da TV brasileira, e o Gordo Visita, uma versão (bem) mais escrachada do programa da Angélica, na Globo. Na entrevista a QUEM, João fala do trabalho, dos filhos e das besteiras que já cometeu. “Sempre quis morrer cedo e fiz de tudo para isso acontecer rápido. Mas agora, com os meus filhos aqui, não dá, né?”

Quem: Você não está muito velho para o punk?
João Gordo: Não. Este tipo de som que a gente faz é uma barulheira, mas é bem técnica. Somos bons nisso, ficamos profissionais em fazer barulho. No palco, gritando aquelas músicas, eu fico possuído. É como uma terapia, eu saio dali bem mais leve. Minha filha é que não gosta. Estes dias eu estava vendo um DVD em que canto duas músicas com o Sepultura. Ela estava comigo, ficou assustada e começou a chorar. Por enquanto a Victoria gosta mesmo é de Bob Esponja.

Quem: E você, gosta?
JG: Amo o Bob Esponja. É muito retardado, a minha filha fica hipnotizada. E eu, idiota, fico hipnotizado também. Tenho o maior prazer em ver a Branca de Neve 6 mil vezes com meus filhos.

Quem: Do que mais você gosta de assistir na TV?
JG: Pouca coisa, geralmente documentários. Gosto mais de videogame. Adoro jogo de matança extrema, com muita violência. Mas não é porque eu gosto disso que vou sair batendo nas pessoas, tá ligado?

Quem: Você assiste à MTV?
JG: Não. Não gosto da programação. Se na MTV passasse Pica-Pau, Pernalonga e Tom & Jerry o dia inteiro, misturado com videoclipe de punk, eu ia amar. O Freak Show eu não vejo porque é muito deprimente. Se vejo um gordo na TV, xingando as pessoas, eu mudo de canal. Só que o programa é uma das maiores audiências da MTV. É ruim para mim, porque muita gente acha que eu sou daquele jeito sempre.

Quem: E você não é?
JG: Não o tempo todo. Não chego todo dia em casa gritando, metendo o pé na porta e vomitando na sala. Muita gente não aceita participar do meu novo programa, o Gordo Visita, porque acha que eu vou chegar lá quebrando espelho e tocando fogo no guarda-roupa.

Quem: A Angélica também tem um programa em que visita a casa das celebridades. Você não está ficando parecido demais com ela?
JG: Não sei, porque nunca vi o programa dela. Tive a idéia de fazer o meu programa sem nunca ter visto o dela, achei que estava sendo criativo. Resolvi fazer o Gordo Visita porque não sou trouxa. O Freak Show é muito extremo, uma hora vai enjoar, e preciso de um programa que explore o meu lado entrevistador.

Quem: Quando foi que você descobriu que era bom entrevistador?
JG: Desde moleque sou piadista. Isso é artifício de gente gorda, era uma forma de me esconder dos meus problemas. Depois de conhecer o punk rock, deixei de ser o engraçadinho da turma e fiquei muito violento. O punk foi o meu escudo emocional. Só depois, quando entrei na MTV, redescobri o meu lado divertido. Sou muito selvagem, tenho 42 anos, mas sou moleque.

Quem: Só que agora você é um moleque com dois filhos.
JG: Continuo retardado, mas agora com responsabilidade. É complicado saber que duas pessoas dependem de você para viver. Eu, que passei a vida inteira à margem da sociedade, agora sou um cidadão que paga impostos. Preciso pensar na minha aposentadoria e no futuro dos meus filhos. Antes de entrar na MTV, eu tinha dez discos lançados, no Brasil e no exterior, mas não tinha dinheiro para tomar ônibus.

Quem: Por que as pessoas gostam de você?
JG: Não sei, cara. Sempre fiz de tudo para ninguém gostar de mim. Mas hoje todo mundo simpatiza comigo, da criança à vovó. Talvez isso aconteça porque não sou do mal. Por mais violento que eu pareça, acredito em Deus, faço oração para Jesus.

Quem: Quando morrer, você vai para o céu?
JG: Não, ainda preciso consertar muita besteira que eu fiz na vida. Vou passar um tempo no purgatório. Mas para o inferno não vou, sou um cara legal. Por mais que eu tenha tido vontade de matar muita gente, nunca matei.

Quem: Mas você já foi muito violento.
JG: Eu era um assassino em potencial. Várias vezes, se tivesse uma arma na mão, tinha matado. Já tive uma coleção de armas brancas, de taco de beisebol a soco inglês. Nunca usei nada. Por vários anos fiquei paranóico, só me sentia seguro quando andava com uma faca. No Video Music Brasil de 2001, quando fui entregar um prêmio junto com Dercy Gonçalves, tomei uma cotovelada do Chorão (vocalista do Charlie Brown Jr.) atrás do palco. Naquele dia eu estava com uma peixeira, resolvi tirar para reagir e os seguranças me barraram. Hoje isso não aconteceria. Até fiquei amigo do Chorão, ele é um cara do bem. Nunca apanhei feio, mas já tomei várias facadas.

Quem: Você ainda vai ao psiquiatra?
JG: Vou sim. E tomo Prozac porque sou meio descontrolado, sou ansioso. Sabe como é, foram muitos anos usando drogas.

Quem: Você ainda usa?
JG: Fumo maconha de vez em quando, e só. Nem beber posso, porque a mulher pega no meu pé. Tive de parar depois que quase morri em 2001.

Quem: O que aconteceu?
JG: Eu já tinha ficado 25 dias na UTI em janeiro. Aí saí em turnê, e passei um ano usando todo tipo de droga. Em dezembro, misturei heroína com cocaína em uma festa e fui parar na UTI de novo. Foi um pesadelo, tive de inventar que tinha tido insuficiência respiratória. Tudo mentira, eu tinha tido uma overdose. Mas eu usei de tudo, dos 18 anos aos 38 anos.

Quem: Como foi que você e sua mulher se conheceram?
JG: Conheci a Vivi na Argentina, em 1995. Depois ela veio para o Brasil e começou a me encontrar. Depois desses dois piripaques que eu tive, ela resolveu falar que gostava de mim antes que eu morresse. Achei que não ia dar certo. Até ir para o hospital eu vivia cercado de modelos e estava louco de ecstasy o tempo todo. Mas olha no que deu: ela é a mulher da minha vida e mãe dos meus filhos.

Quem: Você vai viver quanto tempo?
JG: Cara, não sei. O Bussunda estava superbem e morreu com 44. Minha saúde está toda ferrada. Sempre quis morrer cedo e fiz de tudo para isso acontecer rápido. Mas agora, com os meus filhos, não dá para morrer, né?

Quem: Você já tentou o suicídio?
JG: Não, mas eu era muito autodestrutivo. O meu suicídio era covarde, todo dia usava muita droga. Tenho tanta sorte de estar vivo que, se fosse um pouquinho mais tonto, eu virava evangélico. Agora, pela primeira vez, estou fazendo planos para o futuro. Sempre gostei muito de história e estou pensando em fazer faculdade.

Chupado na maior cara de pau da revista Quem