Ih... Abacate? Antonio Prata

por: Antonio Prata

Aprendi com meu ex-sogro, Sérgio, uma pequena transgressão: recusar sacolas. Não é das práticas mais bem vistas por aí. Toda vez que Sergião dizia, no balcão da locadora do bairro, 'sem sacola, por favor', os atendentes o olhavam desconfiados, depois puxavam a sacola rispidamente e fechavam a cara, como se houvesse algo de despudorado em levar as fitas assim, desnudas, rua afora. Sergião era tido como um cara excêntrico.

Afinal, para que servem as sacolas? Se nós compramos dezessete caquis, todos os volumes de 'Em Busca do Tempo Perdido' ou uma coleção de soldados de chumbo da batalha de Lepanto, bem-vindas sejam. Mas se alugamos um DVD, compramos o minidicionário Aurélio ou um único cristão em miniatura da esquadra espanhola, nossas mãos - com cinco dedos cada, polegar, opositor, articulações sofisticadas e outras maravilhas da evolução - são mais do que suficientes.

Tenho a sensação, pelo olhar que os atendentes da locadora dirigiam ao Sergião - e agora a mim, que adquiri tal hábito desviante - que meter as coisas em sacos plásticos tem a ver menos com a praticidade e mais com a moral. Como se, num contrafluxo da ostentação e do esbanjamento, mostrar por aí os objetos de nosso consumo fosse dividir a intimidade com os outros. Não sei exatamente que segredos profundos de minh'alma os transeuntes desvendariam ao verem que levo Jurassic Park ou um Guaraná Diet para casa. Ou que desrespeito à individualidade alheia eu estaria cometendo exibindo um pente recém-comprado na farmácia, sem a casta proteção do invólucro plástico. Algo, no entanto, há de haver, pois me sinto quase um pária diante dos olhares que recebo, sempre que digo, 'sem sacola, por favor'.

Acho que existe uma certa etiqueta holística que diz que as coisas - todas elas, do sexo ao sabão em pó - não devem ser explícitas. Assim, numa neutralidade apaziguadora, a vida flui pela cidade. Faz sentido. Imagine só: você está andando pela Paulista e encontra uma garota que estudou com você na quarta série. Ela leva um abacate na mão direita. Dias depois, você encontra um amigo em comum e comenta:

- Encontrei a Emilinha, lembra?

- Claro! Como é que ela tá?

- Achei meio estranha. Tava com um abacate na mão.

- Ih... Abacate? Na Paulista? Na boa, sempre achei a Emilinha meio esquisitona... Será que não era performance?

Realmente, as sacolas são importantes. É preciso manter o decoro.