Torçam. Eles podem se superar

O U2 entra hoje para seu primeiro show no Morumbi, sete anos depois, mais criativo que da vez anterior

Sete anos depois de pisar pela primeira vez num palco em São Paulo, com a turnê PopMart,o U2 volta a ocupar o mesmo Estádio do Morumbi, hoje e amanhã, com dois concorridos shows da Vertigo Tour. Nos dois dias, os portões de acesso a todos os setores do estádio vão abrir às 15 horas. O quarteto escocês Franz Ferdinand faz o aquecimento da noitada, tocando das 20 às 20h40. O horário previsto para o U2 é das 21h15 às 23h45, ou seja, duas horas e meia em que os fãs vão poder alternar emoções entre momentos de diversão dançante e discursos políticos, novas pungentes canções e hits absolutos, tudo emoldurado por uma torrente de espetaculares efeitos de iluminação e uma massa sonora de socar o estômago.

Todo show do U2 é uma celebração, como convém a uma das bandas eleitas entre as maiores da história. Não só pelo volume de público, mas em relação à qualidade artística e ao engajamento em grandes causas humanitárias - o que só faz aumentar o fã-clube, com gente de 20 a 50 anos, num círculo conseqüente. A diferença é que a banda de origem meio irlandesa (o vocalista Bono e o baterista Larry Mullen Jr.) e meio inglesa (o guitarrista The Edge e o baixista Adam Clayton) volta agora ao Brasil em melhor momento do que o anterior.

Daquela primeira vez, o quarteto atravessava uma fase de transição, com investidas na música eletrônica, nem sempre bem-sucedidas, resultando tanto em um de seus melhores álbuns (Achtung Baby, de 1991), como também no mais fraco, Pop(1997), base do repertório daquela turnê. Nesse meio tempo, o U2 recuperou sua soberania, amadurecendo artisticamente e, numa remissão às origens, voltando aos seguros braços do eterno rock-and-roll com o ótimo álbum All That You Can´t Leave behind (2000). Na trilha reaberta, seguiu-se o bom How to Dismantle an Atomic Bomb
(2004), base da turnê atual.

Por onde tem passado, pelo menos no primeiro bloco, o grupo não altera muito a ordem do roteiro que apresentou em Chicago em 2005, quando registrou o show em DVD (relançado agora no Brasil em versão dupla com um bom documentário sobre os bastidores da turnê). Foi assim no México na semana passada, onde fez os três últimos shows antes da parada paulistana. Logo de início, duas pedradas do novo álbum: City of Blinding Lights e Vertigo. A introdução é climática, com efeitos de guitarra e teclados, sob luz suave, azulada, com Bono entrando pela passarela sob uma chuva de pétalas. A primeira explosão de potência sonora e iluminação, já toda em vermelho, a cor predominante, vem na seqüência do grito de 'uno, dos, três, catorze' que introduz o novo hit, Vertigo, que desde já entra no rol de seus clássicos instantâneos (como ocorreu como One em 1991). É quando se vislumbra pela primeira vez com toda intensidade as cortinas de pixels usadas tanto para iluminação como para projetar vídeos. O entorno da passarela se enche de movimento de luz em vermelho, bem como as linhas que circundam o estádio. É um efeito de vertigem mesmo. No palco, acima das cortinas, há ainda vários telões com imagens do grupo em ação. 'Os painéis de pixels são como bolas de tênis alinhadas em uma corda', explica Willie Williams, o designer do show. 'Você não acredita no que vê, essas coisas surgem do nada.' Como a idéia é formar uma tela invisível, assim como surgem, as cortinas desaparecem. Lá pelo meio do show, à medida que ganham força as canções de letras mais reflexivas, os efeitos diminuem de impacto, mas não de interesse.

Uma das vantagens do U2 sobre outras bandas é que faz bom uso do poder de idolatria para oferecer algo além do esperado. No show de Chicago, foi buscar lá do primeiro álbum coisas obscuras como a dobradinha An Cat Dubh/Into the Heart, não incluída no roteiro do México (até sexta-feira a produção brasileira não tinha divulgado o repertório a ser apresentado no Morumbi). Diferentemente da anterior
Elevation Tour, que chegou aqui só em DVD, nesta Bono e seus companheiros decidiram recuperar jóias esquecidas como as duas citadas, Cry e The Electric Co., do álbum Boy, de 1980, e a melancólica 40, que encerra o show, já no bis. Tomara que aqui também não fique só nos hits, que aparecem em profusão.

Bono discursa um bocado entre uma música e outra e mais longamente antes de One, pregando pela fé no futuro, pelos sonhos de cada povo, etc. No final de Running to Standstill há até uma leitura de alguns itens da Declaração dos Direitos Humanos feita por uma mulher, projetada no telão. 'Os sonhos de cada um são iguais sob os olhos de Deus', prega Bono.

Em Chicago, na balada One,o cantor convocou o público a levantar seus telefones celulares com as luzes acesas. O gesto tinha relação com o discurso em que ele convocava o presidente americano George W. Bush e o primeiro-ministro britânico Tony Blair a dar apenas um telefonema para resolver a situação da África. Independentemente do que vier a ser em São Paulo, o efeito é simbólico pela substituição dos isqueiros do passado, que acompanhavam momentos do gênero em shows de arena.

Outra passagem de grande impacto visual e de comoção acompanha Where the Streets Have no Name, quando parece que palco e platéia, sob um banho de luz intensa, parecem entrar em erupção. Entre os hits, afora New Year´s Day, que se parece muito com o original, as outras ganham novo fôlego. Sunday Bloody Sunday, Pride (in the Name of Love), Where the Streets Have no Name, One, como não poderia deixar de ser, são os momentos em que o público mais interage com o grupo.

No bloco final se concentram Zoo Station, The Fly e Mysterious Ways, três canções do álbum Achtung Baby, que parecem menores diante das demais, mas ainda assim confirmam sua força. Uma das qualidades do roteiro que o U2 montou no início da turnê estava no fato de equilibrar todas as fases, com canções antigas e um punhado de novidades. Oito canções de How to Dismantle an Atomic Bomb,in- cluindo a linda Yahweh, estavam no set list original. Como no México tudo mudou, só resta aos brasileiros ficar na torcida. De qualquer maneira, esta volta do grupo tem trunfos de sobra para superar a anterior.